A heterogeneidade do Transtorno do Espectro Autista (TEA) sempre representou um desafio para pesquisadores e clínicos. Um estudo recente publicado na Nature Genetics por Litman et al. (2025) revela pela primeira vez quatro subtipos distintos de autismo, cada um com assinaturas genéticas e trajetórias clínicas únicas. Essas descobertas não apenas ampliam nosso conhecimento sobre as bases biológicas do TEA, mas também revolucionam estratégias de diagnóstico e intervenção.
Os Quatro subtipos de Autismo: Uma Classificação Baseada em Dados
Usando um robusto modelo computacional conhecido como “general finite mixture model (GFMM)”, os pesquisadores analisaram 239 traços fenotípicos (incluindo comportamentais, cognitivos e de desenvolvimento) em 5.392 indivíduos do banco de dados SPARK. A análise identificou quatro subtipos com perfis clínicos e genéticos diferentes:
- Social/Comportamental (37% dos casos):
Caracterizam-se por dificuldades intensas em interação social e comportamentos repetitivos, sem atrasos no desenvolvimento inicial. Associado a mutações em genes ativados tardiamente no neurodesenvolvimento, o que explica o diagnóstico frequentemente mais tardio.
- TEA Misto com Atraso do Desenvolvimento (19%):
Apresentam atrasos significativos em marcos motores e de linguagem, além das características do TEA. Diferem-se pela baixa prevalência de comorbidades psiquiátricas (como ansiedade). Predominam variantes genéticas herdadas.
- Desafios Moderados (34%):
Características mais leves de TEA, sem comorbidades expressivas. São funcionalmente mais independentes e têm desenvolvimento similar a crianças não autistas.
- Amplamente Afetados (10%):
Envolvem múltiplos domínios: prejuízos sociais graves, atraso de desenvolvimento, comportamentos repetitivos intensos e altas taxas de comorbidades (TDAH, ansiedade). Possuem a maior carga de mutações de novo (alterações genéticas não herdadas).
Tabela 1: Características dos subtipos de Autismo
Subtipos | Prevalência | Principais Traços Fenotípicos | Perfil Genético |
Social/Comportamental | 37% | Social/Comportamental intenso, diagnóstico tardio | Mutações em genes de expressão tardia |
TEA Misto com Atraso | 19% | Atraso desenvolvimento, baixa comorbidade | Variantes herdadas |
Desafios Moderados | 34% | Sintomas leves, alta funcionalidade | Poligenia complexa |
Amplamente Afetados | 10% | Múltiplos prejuízos, alta comorbidade | Mutações de novo |
Mecanismos Genéticos Revelados
O estudo revela que cada subtipo está vinculado a características genéticas distintas:
- Mutações de novo vs. Herdadas: O subtipo “Amplamente Afetado” concentra mutações de novo (alterações não presentes nos pais), enquanto o “TEA Misto com Atraso” tem predominância de variantes herdadas.
- Vias Biológicas Específicas: Genes associados ao subtipo “Social/Comportamental” atuam em vias de sinapse e sinalização neuronal, enquanto os do subtipo “Amplamente Afetado” atuam em vias de proliferação celular e organização do citoesqueleto.
- Estágios do Neurodesenvolvimento: A expressão gênica nos subtipos com atraso do desenvolvimento ocorre principalmente no período pré-natal, enquanto no Social/Comportamental atinge picos na infância tardia, alinhando-se com a manifestação clínica
Como os Testes Genéticos Transformam a Prática Clínica
A genética já é parte indispensável na avaliação clínica do TEA:
- Microarray Cromossômico (CMA): Detecta variações no número de cópias (CNVs) com taxa de diagnóstico de 18,2%, superando o cariótipo (2,23%) e o teste do X-frágil (0,46%).
- Sequenciamento Completo do Exoma (WES) e Genoma (WGS): Identificam mutações pontuais em genes associados (ex: SHANK3, SCN2A) e são recomendados quando o CMA é inconclusivo.
- Impacto Clínico Direto:
- Diagnóstico Precoce: Identifica síndromes (ex: Síndrome de Rett, Deleção 22q11) que modificam estratégias de intervenção.
- Prognóstico Personalizado: A análise genética permite antever comorbidades (ex: epilepsia em pessoas da classe Amplamente Afetados) e planejar terapias direcionadas.
- Aconselhamento Familiar: Define risco de recorrência (alto em subtipos com variantes herdadas) e orienta planejamento reprodutivo familiar.
Conclusão
A compreensão da heterogeneidade do autismo e sua divisão em subtipos geneticamente distintos marca um avanço transformador. Ao vincular fenótipos complexos a programas biológicos subjacentes, abrimos caminhos para diagnósticos precisos e precoces, intervenções personalizadas e novas terapias alvo. Para famílias, isso significa não apenas respostas, mas esperanças de tratamentos mais eficazes e adaptados às necessidades únicas de cada indivíduo.