Futuro da Medicina passa por falar em Genética, defende neurogeneticista baiana

“Ainda sabemos pouco sobre as características genéticas das doenças mais prevalentes do nosso país”

É impossível falar sobre o futuro e avanços da medicina sem falar em Genética Médica ou Medicina de Precisão. Cada indivíduo tem heranças genéticas próprias, de forma combinada proveniente dos pais biológicos. Esta carga genética é que determinam as características físicas e da saúde de cada indivíduo. Conhecer a identidade genética de cada pessoa pode resultar em diagnóstico preciso e tratamento específico e mais eficaz.

Na Bahia, Emília Embiruçu é um dos nomes que se destacam quando o assunto é Medicina de Precisão. Graduada em Medicina pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia e Doutora em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (2009), área de concentração em Neurogenética, ela atualmente é Professora Adjunta dos Cursos de Graduação de Medicina e Fonoaudiologia – Departamento de Ciências da Vida da Universidade do Estado da Bahia; neuropediatra do serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas da UFBA, e atua ainda à frente da Singular Medicina de Precisão.

Emília explica que um tratamento mais eficaz passa necessariamente por um tratamento individualizado, personalizado para cada indivíduo, já que as manifestações clínicas e a gravidade de uma mesma doença podem ser diferentes em cada pessoa.

“Em um determinado grupo de indivíduos com epilepsia, alguns responderão às medicações anticonvulsivantes, outros não terão controle das crises epilépticas, e outros poderão até piorar na frequência das crises…ou seja, os organismos metabolizam as medicações de forma diferente, e a escolha do medicamento pode ser influenciado pela alteração genética subjacente… Na Medicina de Precisão, cada um é tratado de forma personalizada, a escolha da medicação será de acordo com as características genéticas da doença”, explica.

Com os avanços dos testes genéticos a medicina passou a entender melhor as diferentes doenças, e reclassificá-las, principalmente as mais evidentes dentro de uma família. No entanto é possível perceber que os fatores genéticos estão presentes não somente em doenças raras, mas em doenças prevalentes como diabetes e hipertensão. Isto se torna evidente quando é necessário tratar de forma diferente (dieta, medicamentos) indivíduos com a mesma doença. Por exemplo, a evidência de que todas as pessoas obesas não perdem peso fazendo a mesma dieta.

A MEDICINA GENÉTICA NO BRASIL

A genética no país ainda é incipiente, explica Emília. Apesar da medicina estar se desenvolvendo nesta direção, ou seja, a compreensão das doenças vem se dado a nível celular, reconhecendo a importância dos fatores genéticos na apresentação das diferentes doenças e respectivos tratamentos, Emília explica que infelizmente no país, e principalmente na Bahia, isso é pouco abordado: “Podemos evidenciar pela escassez das disciplinas de genética nos cursos de medicina, por só termos uma residência de genética médica em todo o norte e nordeste do país. O estudo da genética nos remete a estudar disciplinas consideradas básicas, que nos levam a refletir sobre a fisiopatologia que está subjacente em cada doença. E ao refletir sobre isso, podemos ter tratamentos mais eficazes, desde o uso de uma simples vitamina, ou ajuste da dieta, até as terapias de reposição de enzima e a terapia gênica”.

As informações genéticas dependem de cada população, por conta da ancestralidade. Existem bancos de dados que são alimentados com informações das populações mais desenvolvidas, como as europeias e norte americana. No entanto, ainda existem poucas informações sobre a população brasileira, tão miscigenada, diversificada em cada região do país, por conta da herança ancestral. “Ainda estamos ‘engatinhando’. Portanto, ainda sabemos pouco sobre as características genéticas das doenças mais prevalentes no nosso país”, explica a neuopediatra.

Fora do Brasil, existem vários estudos, inclusive avaliando custo e efetividade em relação aos testes genéticos que são considerados caros. Mas os trabalhos mostram um custo mais reduzido e um tempo de diagnóstico menor, ao mesmo tempo um grande crescimento nas pesquisas por parte da indústria farmacêutica para produção de novas medicações para doenças até então consideradas sem tratamento.

“No Brasil, no entanto, não tem estudos mostrando custo e efetividade, mas tenho pacientes que chegam até mim, com anos de doenças, realizaram vários exames, inclusive alguns deles repetidos e sem o diagnóstico definido. Temos conseguido avançar nos diagnósticos com os testes genéticos. Alguns gestores da saúde, principalmente das cidades do interior do estado, tem percebido isso… Os pacientes realizam os testes genéticos, e concluímos o diagnóstico em um grande número de casos. Diminuindo o custo de repetir ressonância e outros exames, diminuindo o custo de transporte para a capital, e fazendo um tratamento adequado e direcionado, além do aconselhamento genético, ou seja, orientações sobre o risco de outras pessoas na família terem a mesma doença. Ressalto estas situações, pois precisamos entender que os testes genéticos não são apenas para quem tem mais recursos financeiros, mas são acessíveis a todos. Termina tendo um custo benefício maior, quando solicitado de forma adequada”.

A MEDICINA GENÉTICA NA BAHIA

Para avançar na Bahia, o primeiro passo é a educação, acredita Emília: “Nas faculdades de medicina, desenvolver o conhecimento sobre genética, estimular os futuros médicos a pensarem, a se questionar, e a serem inquietos em relação às angústias dos pacientes por seus diagnósticos e tratamentos. A medicina avança sempre, e acompanhar estes avanços é sair da zona de conforto, do conformismo…para tratar precisamos diagnosticar e compreender as doenças”.

Matéria originalmente publicada em Tribuna da Bahia, Salvador 09/02/2020